Título Original: The Declaration
Autoria: Gemma Malley
Editora: Editorial Presença
Colecção: Noites Claras, N.º 1
Nº. Páginas: 287
Tradução: João Martins
Sinopse:
Planeta Terra, ano 2140. O desenvolvimento da ciência trouxe aos humanos a possibilidade de se tornarem imortais, e com ela um terrível dilema... Dada a escassez de recursos, a imortalidade só é garantida à custa da renúncia à descendência. O Pacto é o compromisso que sela tal decisão. Quebrá-la é ir contra as leis da Natureza, e as consequências são, no mínimo, aterradoras. Anna conhece-as demasiado bem. É uma Excedente, uma criança que não deveria ter nascido. Desde bebé que está em Grange Hall, a instituição que prepara todos os Excedentes para o terrível destino que os espera no mundo exterior. Mas um dia recebe a visita de Peter, um jovem Excedente, rebelde e misterioso, que vem revolucionar para sempre a sua visão de si própria e do mundo... Uma estreia absolutamente original.
Opinião:
Noites Claras, da Editorial Presença, é das colecções literárias que maior prazer me dá descobrir e acompanhar. Abordando temas importantes e muitas vezes conflituosos mas com um estilo mais juvenil, no final de contas, acaba sempre por apresentar enredos bem delineados e intrincadamente construídos que tanto servem de entretenimento para os mais jovens como para grande parte dos adultos que procuram um tipo de escrita e história mais reflexiva, complexa e profunda. Com O Pacto – O Crime de ter Nascido, o primeiro livro editado desta fantástica colecção, as expectativas são colocadas bem lá no alto e a revolta rapidamente se transforma num dado adquirido, numa emoção constante aquando de uma leitura violenta e, no mínimo, intrigante.
O enredo é, provavelmente, o ponto mais alto e forte de todo o livro. Tendo acção num Planeta Terra 129 anos mais avançado que o nosso actual, concentra-se na vida corrente de um grupo de rapazes e raparigas indesejados – os Excedentes – que, ao nascerem fora das leis do Pacto assinado pelos seus progenitores, os torna automaticamente ilegítimos de sobrevivência. Assim, estes jovens não têm outra escolha que não passarem os seus dias em casas correctivas para Excedentes, neste caso, Grange Hall, onde, à base de regras muito especificas e privações físicas, são ensinados a tornarem-se Úteis. Só que Úteis, nesta espectacular trama é, basicamente, sinónimo de escravos – escravos dos Legítimos, ou seja, de todos aqueles que, há muitos anos atrás, começaram a tomar Longevidade por forma a não perecerem e, desse modo, converterem-se em imortais.
Seguindo as passadas da Excedente Anna, o leitor é levado até às revoltantes profundezas de Grange Hall onde nem sequer um pingo de humanidade ou carinho é passível de ser encontrado. De cérebro lavado, as atitudes de Anna somente se alteram após a chegada de um novo Pendente (um Excedente mais velho), Peter, que, no seu íntimo, guarda o segredo de ter entrado em Grange Hall com o intuito de fugir de lá com ela, Anna.
A mentalidade que envolve toda a história é, no mínimo, repugnante. Fazendo uso de uma politica completamente fora de série onde ser-se pai e mãe pode levar à prisão e onde ser-se criança constitui crime, O Pacto apresenta uma possível versão futurista do molde de uma sociedade face a oportunidade de vida eterna. Porém, quem seria capaz de lutar contra o sistema e assim renunciar o infinito por forma a poder trazer uma nova luz ao mundo? E quem combateria a favor do conhecimento perpétuo por puro medo da morte, do fim? Mas, e mais importante ainda, o que seria de um Planeta Terra de si já em perigo quando os seus níveis de subsistência atingissem um patamar incontornável? Estas são algumas das questões importantes levantadas ao longo deste romance juvenil, que, uma vez mais, acho demasiado desenvolvido e pertinente para as mentes mais novas. Não tenho dúvidas de estar perante um livro jovem escrito para adultos...
As personagens são outro dos componentes altamente apreciados desta obra. Tanto Anna como muitos outros Excedentes residentes em Grange Hall apresentam uma submissão inesgotável e incontornável face a Directora e outros Legítimos, mentalizando-se de quão lixo e devoradores de recursos preciosos são. No entanto, nota-se uma rebeldia entre eles, uma tentativa de “ser-se o melhor, o mais Útil” que, por vezes, origina cenas perturbadoras de abusos físicos e psicológicos, e que levam o leitor a questionar-se sobre a verdadeira essência do ser humano comum.
Peter é uma lufada de ar fresco no meio do caos desnorteante que é Grange Hall. Rebelde, misterioso e amigo, ele é dos protagonistas masculinos que mais gostei de conhecer dentro do romance juvenil. Sempre carinhoso para com Anna e preocupada com a sobrevivência de ambos, Peter é o anjo da guarda e a luz ao fundo do túnel.
Gemma Malley é espectacular com as palavras. Fazendo uso de uma linguagem ora corrente ora extremamente científica, apela a ambos os lados emocional e intelectual do leitor, incitando-o a continuar a leitura. A sua criatividade tem de ser louvada e a forma como conseguiu conjugar todos os problemas sociais como a escassez de recursos naturais, a eterna batalha Ciência vs. Natureza e a luta pela imortalidade, apenas para nomear alguns, é, simplesmente, genial. Penso que há muito não encontrava, na ficção juvenil, uma obra tão atractiva e, ao mesmo tempo, tão real, verdadeira, possível de acontecer. Um romance potente, seguro e alarmante.
Segue-se A Resistência – Ninguém Pode Decidir por Ti (que já comecei a ler) e sobre o qual posso afirmar que, até agora, está a ser igualmente fascinante e apelativo. Uma aposta impressionante da Editorial Presença, numa colecção a que todo o jovem e adulto deveria de dar uma oportunidade.
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