Título Original: Shadows and Light
Autoria: Anne Bishop
Editora: Saída de
Emergência
Nº. Páginas: 355
Tradução: Luís Coimbra
Sinopse:
Desde o massacre das
bruxas, os Fae, que deviam proteger as suas primas há muito esquecidas,
ignoraram as necessidades do resto do mundo. Agora as sombras voltam a
alastrar-se sobre as aldeias do oriente. Sombras negras e poderosas que ameaçam
todas as feiticeiras, todas as mulheres e os próprios Fae. Apenas três pessoas
podem fazer frente à loucura colectiva que se está a disseminar e impedir que
mais sangue seja derramado: o Bardo, a Musa e a Ceifeira.
Aiden, o Bardo, sabe que o
mundo está dependente da protecção dos Fae, mas estes recusam-se a escutar os
seus avisos sobre o mal que se esconde nas florestas. Vê-se obrigado a partir
com o amor da sua vida, Lyrra, a Musa, numa aventura arriscada em busca do único
Fae capaz de fazer o seu povo despertar da indiferença. Se os Fae não agirem
depressa, ninguém sobreviverá...
Opinião:
O trilho acidentado,
precipitado, que percorre os amargos da esperança, desencadeia numa profunda
bruma de luz e sombra, de alegria e desespero, de amor e violência. Mas por
entre a celeridade, a potencialidade, da magia eterna, um espectro negro,
desgastado, fúnebre, paira ao de leve, sempre atento, sempre desperto... e
sempre pronto a atacar.
Luz e Sombras trata-se
de uma narrativa extremamente envolvente e feminina, que vem mostrar uma faceta
mais suave – mas não menos intensa – de uma autora que prima pela ousadia, pela
exuberância e pela perícia. Se no romance anterior, Os Pilares do Mundo, o ambiente encontrado foi de irascibilidade,
de medo e de perseguição, em Luz e
Sombras, todos esses juízos são levados ao extremo. Com as sensações à flor
da pele, o leitor vê-se induzido numa infinita busca pela força do bem em
detrimento da sujidade, da opressão e da negrura que tem vindo,
progressivamente, a penetrar em Sylvalan, acompanhando, com entusiasmo e
louvor, todo o percurso das personagens que, facilmente, aprisionaram, noutro
tempo, o olhar atento e crítico do leitor.
Anne Bishop é, pura e
simplesmente, extraordinária com a palavra escrita. Cautelosa, arrebatadora e
coerente são, somente, meros termos capazes de descrever o princípio, o aprazível
começo, da longa linha de espectacularidade que circunda esta autora. Os mundos
que cria, as personagens que transpõe para o papel e a forma como engendra
todos os acontecimentos, todos os momentos de acção, todas as tomadas de decisão
são fascinantes se, não mesmo, por vezes, brilhantes. Uma escritora especial
que roça, muito próxima, muito perto, o limiar da perfeição.
Numa mistura explosiva de
uma realidade perversa, desflorada, com uma fantasia ferina, sedutora, os
contornos narrativos voltam, magnificamente, a surpreender. Optando pela
ocasional surpresa e pela profunda necessidade do constante folhear das páginas,
Bishop remete o leitor para um universo onde a magia e a natureza partilham uma
sabedoria sem igual, e onde o homem, dono de si, esforça-se por encontrar o
estatuto que, em última instância, lhe ofertará o total controlo de que tanto
sente falta.
Observado está também o
imenso desenvolvimento de um (ainda que) restrito leque de personagens, assim
como o aparecimento de tantas outras igualmente interessantes e curiosas.
Destacam-se o Bardo, Aiden, e a atraente Musa, Lyrra, que, ao longo da sua
busca comum, acabam por não só encontrar a amizade e a paixão que os precedia,
de tempos longínquos, como, também, o doce sabor do amor e do compromisso.
Nota-se, tanto a nível
principal como secundário, uma cada vez mais latente fragilidade de cariz
mortal – e, consequentemente, humano – presente nas entidades feéricas, etéreas,
de Tir Alainn. E ainda que o desejo destes seres perpétuos não vá, de encontro,
aos anseios de tantos outros da sua espécie, só o facto de persistirem na trama
e de se mostrarem irrefutáveis, gananciosos, permite que seja exposto um lado
mais maduro e selvagem que, gradualmente, vai invadindo as páginas deste livro.
Em concreto, e a nível
pessoal, merecem menção intervenientes como a bruxa Breanna, que com o seu espírito
livre e língua afiada, proporciona ao leitor verdadeiros momentos de humor; o
Barão Liam, que com o seu carácter altruísta e protector ajuda a que o leitor
se sinta um pouco mais seguro em relação ao futuro que se aproxima, e Ashk,
Senhora das Florestas, criatura que tanto tem de encanto como de perigo.
Sente-se, ao longo de toda
a trama, que este é um livro transitório, que passa de um plano de descoberta e
difícil assimilação para um outro plano de confronto e acção. Também por não
estarem tão presentes, em termos físicos, os Inquisidores, proporciona a que o
leitor sinta a real essência do medo que estes espalham através de conflitos, choques,
que vão surgindo um pouco por todo o enredo. Percebe-se, ainda, que Luz e Sombras é como um catapultar de
emoções, possíveis desfechos e inesperados trechos narrativos de uma história
que, de si já tão repleta de tensão, somente poderá culminar numa estrondosa e
inesquecível terceira parte. E embora este seja um volume mais negro, sombrio,
cruel, onde a infinitude é algo de muito ténue, é, em igual medida, uma
narrativa que transborda amor, lealdade e, acima de tudo, amizade e espírito de
família, de união.
Quanto ao cenário, este vai
de encontro ao já testemunhado no romance anterior, possibilitando agora um
maior e mais detalhado desenvolvimento relativamente às florestas e meios da
Natureza Mãe. Visto serem as bruxas, a Casa de Gaian, o povo em voga, fica
clara a intensa presença da magia, dos campos e dos elementos naturais – água,
fogo, terra e ar.
A escrita de Bishop é, para
mim, não só incomparável como inconfundível. Com nuances optimistas mas sempre sem se deixar descurar da
tenebrosidade e receio que invadem o ambiente narrativo, este é um estilo que
tanto adoro quanto admiro. O seu tom bélico, às vezes poético mas
constantemente exigente, é parte do fascínio que todas as suas obras partilham
com o leitor.
Numa trilogia maravilhosa
e, ao mesmo tempo, recheada de escuridão, Luz
e Sombras é uma excelente aposta por parte da Saída de Emergência
que, arriscando em autores de renome e qualidade, consegue marcar a diferença
entre as outras demais obras de igual estilo. Sem dúvida, um livro a ler.
Excerto:
«[…], eram as orelhas pontigudas
o que revelava o animal subjacente àquela figura: o animal que a tornava
inferior aos humanos e, portanto, dispensável. Não havia lugar no mundo para
aquilo que os homens não podiam controlar, nem dominar.»
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