Título Original: Speak
Autoria: Laurie Halse
Anderson
Editora: ASA
Nº. Páginas: 173
Tradução: Susana Serrão
Sinopse:
Melinda Sordino é a pessoa
mais odiada no Liceu de Merryweather. No final do verão chamou a policia,
acabando com uma festa e colocando um sarilhos alguns dos finalistas mais
populares da escola. Melinda tem um segredo que guarda bem fundo, dentro de si,
e que não pode contar a ninguém. Mas Melinda está a ser corroída pelo que
aconteceu, e o mundo de reclusão que construiu para si ameaça ruir a qualquer
momento.
Opinião:
O seu maior problema, foi
não ter gritado «NÃO».
O redemoinho avultado de
sentimentos que camufla a aparência inocente de uma rapariga cuja pureza lhe
foi retirada à força, é o pensamento constante de que a normalidade é algo
muito pouco tangível. A mágoa, o ressentimento e a culpa própria apoderam-se do
seu subconsciente e, sem dar por isso, Melinda transforma-se num espectro sem
emoções externas, sem desejos adolescentes e, principalmente, sem qualquer vontade
de viver.
Grita trata-se de uma
versão algo romanceada de um mal que, cada vez mais, tem vindo a afectar o
intelecto emocional de muitas mulheres que, numa tentativa de se tornarem
invisíveis para o mundo e para uma sociedade altamente nociva, preferem
silenciar-se e recolher-se internamente em detrimento de expressarem, por
palavras, gestos ou figuras, o que verdadeiramente lhes abalou o íntimo.
Dotada de um estilo simples
mas, em última análise, perturbado, Laurie Halse Anderson dá, com a sua história,
voz a um sem número de rostos ocultos, preocupando-se sempre em exprimir, o
mais claramente e emotivamente possível, todos os estados e etapas de uma
depressão causada por um trauma que se viu alojado no mais profundo do «nosso»
ser.
De uma premissa tão
simples, nunca eu imaginei que me veria assoberbada por um leque sem fim de
emoções e sentimentos contraditórios, desde compaixão a revolta, até mim
enviados, enquanto leitora, por uma protagonista tão ingénua e inofensiva.
Melinda pode ter sido,
outrora, uma rapariga fugaz e inteligente, sociável e divertida, mas o seu
estado de espírito neste romance mostra-se tudo menos alegre e jovial.
Representando o seu total oposto, esta é uma personagem que encontra refúgio na
arte e na possibilidade de vir a ultrapassar um acontecimento fortemente
marcante e que, de modo imperioso, se espalhou por toda a comunidade estudantil
em que, noutro tempo, se sentiu inserida. Com as consequências dos seus actos
assentes bem à flor da pele, esta não será uma jornada fácil nem, tão-pouco,
compensadora, mas para Melinda o que importa é obter justiça, apoio e, quem
sabe, voltar a reencontrar aquela que um dia assumiu a sua identidade e aí,
retornar ao que deixou ficar para trás.
Ainda que sem espaço para
grande desenvolvimento, esta pequena trama mostra-se imperdoável no modo em
como retrata os pais de Melinda que, sempre mais preocupados com as boas notas
e as atitudes correctas, se deixam ficar cegos perante as mudanças bem
presentes de humor e comportamento da filha de ambos. Admito não me ter sido
fácil percorrer os momentos dedicados a estes intervenientes secundários, mas
mais difícil ainda foi presenciar a impotência de uma adolescente face a essa
falta de preocupação por parte das pessoas que, aparentemente, deveriam de ser
o seu pilar de força.
Também o afastamento por
parte daquelas que proclamavam ser suas amigas foi, para mim, muito intenso.
Assistir ao abandono de Melinda numa das ocasiões mais complicadas – e
complexas – por que passará na sua vida foi uma dor que eu própria senti, pois
a clareza e veemência com que Anderson trespassa todos esses sentimentos e
emoções para fora do papel é, sem dúvida, um dos seus grandes trunfos, enquanto
autora, nesta trama.
Pessoalmente, o gradual
florescer de Melinda foi o pormenor que mais me satisfez, assim como o seu
progressivo interesse pela expressão artística. E embora este não tenha sido um
livro cuja escrita me tenha cativado por aí além – pelo menos não na forma como
acabou por não deixar espaço para maiores desenvolvimentos –, a história que
alberga foi, certamente, uma realidade que apreciei ver perpetrada num enredo
que, sem margem para dúvidas, tanto agradará a um público mais velho como mais
jovem.
Mais uma excelente aposta
da ASA, num género de literatura sentida que apresenta muito mais de
reflexão e partilha de sentimentos do que aquilo que o seu tamanho ou sinopse
deixa transparecer. Romances para todas as idades, que devido à sua crueza e
componente real cativam e marcam. Gostei.
Excerto:
«Mas será que eles são burros de propósito? Terão nascido assim? Eu não
tenho amigas. Eu não tenho nada. Eu não digo nada. Eu não sou nada.», pág. 106
1 comentário:
Um dos melhores livros que já li na vida... <3
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