Título Original: Persepolis
Autoria: Marjane
Satrapi
Editora: Contraponto
Nº. Páginas: 351
Tradução: Duarte Sousa
Tavares
Sinopse:
Com uma memória inteligente,
divertida e comovente de uma rapariga que cresce no Irão durante a Revolução
Islâmica, Marjane Satrapi consegue transmitir uma mensagem universal de
liberdade e tolerância.
‹‹Estamos em 1979 e, no Irão,
sopram os ventos de mudança. O Xá foi deposto, mas a revolução foi desviada do
seu objectivo secular pelo Ayatollah e os seus mercenários fundamentalistas.
Marjane Satrapi é uma criança de dez anos irreverente e rebelde, filha de um
casal de classe alta e convicções marxistas. Vive em Teerão e, apesar de
conhecer bem o materialismo dialético, ter um fetiche por Che Guevara e
acreditar que consegue falar directamente com Deus, é uma criança como qualquer
outra, mergulhada em circunstâncias extraordinárias.
Nesta autobiografia gráfica,
narrada com ilustrações monocromáticas simples mas muito eloquentes, Satrapi
conta a história de uma adolescência durante a qual familiares e amigos
"desaparecem", mulheres e raparigas são obrigadas a usar véu, os
bombardeamentos iraquianos fazem parte do quotidiano e a música rock é
ilegal. Contudo, a sua família resiste, tentando viver uma vida com um sentido
de normalidade. Um livro inteligente, muito relevante e profundamente
humano.››BBC
Em 2007, Persépolis
foi adaptado ao cinema e das muitas nomeações para prémios que teve destaca-se
a do Óscar para melhor filme de animação.
Opinião:
Encaro a novela gráfica,
muitas vezes, como um método peculiar e algo suavizado de transmitir, ao
leitor, toda uma série de ensinamentos e mensagens importantes. Enquanto umas
narrativas se centram no comic em si, enfatizando a espectacularidade da
personagem protagonista ou o seu irrealismo como super herói numa sociedade
moderna, outras mostram-se intensamente pessoais, ricas em sentimento, e
propícias a atingir o leitor da forma mais arrebatadora possível.
Persépolis é precisamente tudo isso e muito mais. É uma visão inteiramente diferente,
para um povo claramente ocidental, de uma realidade extremista que afectou toda
uma nação. É um relato impressionante da vida de uma jovem rebelde, de uma
jovem que deseja ser livre de expressar os seus gostos, as suas revoltas, num
país onde a liberdade foi uma das primeiras componentes sociais e individuais a
ser cortada. É a demonstração gráfica da importância da união familiar, quando
tudo o resto falha, quando tudo se torna opressivo, tirânico, perseguido. É o
refúgio de um intelecto único, de uma inteligência fora de série, numa
comunidade perigosa, numa comunidade que não tem medo de infligir a dor e a
morte aos seus habitantes, sejam eles homens ou mulheres.
Marjane Satrapi
escreve de forma sincera, de forma tocante. Através dos seus olhos de criança
crescida, e da sua imensa ligação com uns pais revolucionários e uma avó que só
quer o seu bem, a sua felicidade, o leitor vê-se catapultado para o seio de uma
família que de tudo fará para proteger os seus. Acompanhada de ilustrações
elegantes e muitas vezes funestas, Marjane expõe a sua voz enquanto lutadora,
enquanto sobrevivente num mundo onde a imagem da mulher adquiriu – e ainda
adquire – contornos excessivamente irreais e incompreensíveis, inaceitáveis.
Esta foi uma
leitura explosiva, uma viagem alucinante até uma realidade verdadeiramente
aterradora, onde a caracterização da própria morte, algo que deveria de ser
digno, de ser pessoal, é feita de maneira fria e cruel. Quantos não se
sacrificaram em prol de um futuro e regime melhores?! Quantos não se
manifestaram pelas ruas, lutaram contra ataques policiais, infringiram as
regras por entre quatro paredes?! Mas quantos desses não foram mortos, foram
perseguidos, mutilados, torturados, de formas atrozes, inumanas?
O medo é uma
arma poderosa, imponente até, e a sensação aceite de perigo constante, seja
através dos instáveis bombardeamentos ou da promessa de morte iminente, é o
suficiente para oprimir todo um povo que somente batalha por alcançar,
novamente, um passado onde a grandiosidade, a notoriedade foi soberana, onde a
distinção, face o resto do mundo, se traduzia em avanços capazes e
intelectuais.
Ainda assim, o
que mais impressiona e cativa é a vontade própria, a força que Marjane foi
outrora e que, certamente, persiste em ser. Ela é um exemplo de como levar uma
vivência de reclusa déspota pode afectar o comportamento de uma pessoa uma vez
atingida a liberdade, tanto de expressão como de pensamento. Penso que, em
certa medida, a sociedade iraniana levou a que esta figura majestosa, na
história do seu regresso, se manifestasse de forma extremamente rebelde e
curiosa e que, de certa forma, essa declaração pessoal lesou o seu íntimo
enquanto pessoa, uma vez regressada à sua pátria. Marjane foi uma criança que
se viu obrigada a crescer demasiado cedo, que se viu destituída do seu real
sentido de infância e que, mais tarde, sofreu o despoletar de um acesso de
raiva, de revolta, tanto para com a sua comunidade de nascença, como também
para com a relutante aceitação estrangeira da sua própria nacionalidade. Nos países
ocidentais persistiu – e ainda persiste, por vezes – a ideia de que todas as
nações radicais e extremistas, assim como respectivas populações, são fruto da
mesma semente. Não existem distinções, não existem diferenciações. Todos são
representantes de um mesmo fruto podre.
Muito fica por
dizer aquando a leitura destas novelas gráficas corajosamente reais. Relatos de
memórias passadas que ficarão eternizadas no interior de quem as viveu, de quem
as assumiu como suas. Para mim, Persépolis
é uma exímia lição de vida e uma grande fonte de conhecimento, relatada na
primeira pessoa, numa narração inesperada. Uma obra única que certamente marca
pela diferença, pela evolução, pela carga emocional que alberga ao longo das
páginas. Um livro absolutamente marcante, que encantará muitos leitores, não só
de banda desenhada, como de qualquer género literário. Uma brilhante aposta Contraponto,
numa grafia que merece todo o destaque possível.
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