terça-feira, 11 de junho de 2013

A mãe não me deixa contar, Cathy Glass [Opinião]




Título Original: Mummy told me not to tell
Autoria: Cathy Glass
Editora: Editorial Presença
Coleccção: Grandes Narrativas, N.º 549
Nº. Páginas: 278
Tradução: Ana Saragoça


Sinopse:

Esta obra é baseada na história real do pequeno Reece de sete anos, o último de seis irmãos a ser retirado aos pais biológicos e encaminhado para família de acolhimento ao abrigo de uma ordem judicial provisória. Cathy Glass é a sua quarta cuidadora num período de apenas um mês. O comportamento da criança revela-se desde logo agressivo, hiperactivo e caótico. Ao mesmo tempo, Reece sofre de um visível atraso no desenvolvimento e já foi excluído de duas escolas primárias devido à impossibilidade de o integrarem. Munida de infinita paciência e amor, Cathy começa a mudar o comportamento do rapazinho à medida que vai conquistando a sua confiança, mas apesar dos seus esforços não consegue chegar às razões profundas que perturbam Reece. Quando o interroga acerca do seu passado, esbarra sistematicamente com uma resposta: «Não sei.» Cathy tem noção de que Reece está a ser obrigado pela mãe biológica a guardar um segredo acerca de tudo o que diz respeito à família.


Opinião:

Existem segredos que nos ultrapassam. Que moem cá dentro, que corrompem o que de mais belo temos, que nos fazem agir erradamente e que nos quebram os ossos, colam os lábios e atam as mãos. Existem segredos capazes de destruir vidas, vidas pequenas e inocentes que deveriam ser por nós preservadas e amadas, cuidadas. Existem segredos que...

... A mãe não me deixa contar. Este é um romance que nos emociona e toca, que nos permite verter uma lágrima mas também esboçar um sorriso, mas que, acima de tudo, comove pela veracidade que demonstra e pela história sensível, revoltante e absolutamente perturbadora que conta. Não se tratando do primeiro relato do real que leio escrito por esta autora, sabia já, de antemão, mais ou menos o que esperar em termos emocionais, no entanto, o resultado acaba sempre por ser uma novidade, um espanto e uma renovada revolta pelas delicadas e ainda extremamente jovens vidas que por aí crescem no meio do caos.
Cathy Glass é, como muitos de vós sabem, um pseudónimo. Um outro e secreto—mas não como o segredo deste menino—nome utilizado por uma autora cuja necessidade de divulgar um pouco da sua humanidade enterneceu já milhares de leitores por todo o mundo. A sua escrita é incomparavelmente cativante e cheia de uma ternura, de um carinho que não só se encontra expresso ao longo das páginas como também é trespassado para o leitor, e este—eu, por exemplo—continua a muitas vezes não acreditar, a não conseguir verdadeiramente entender como é que vidas como estas, contadas por Glass, tiveram o começo que a sina lhes ofertou.

É-me um pouco difícil—bastante, para ser sincera—escrever sobre este livro, admito, pois trata-se de uma narrativa que me afectou tanto a nível emocional que simplesmente me escapam as palavras certas, se é que tais existem, para descrever o quão especial Reece—e os sete anos que, até ao começo da sua história, viveu—é, na realidade.
O que este esconde muito para lá da espessa e aparentemente impenetrável máscara social que são defensivamente usa é excepcionalmente singular, pois por baixo de todas as vivências erradas, de todos os despojos psicológicos, de todos os maus tratos físicos e verbais está um rapazinho inocente cujo maior desejo é sentir-se em casa, é ser amado. Reece é, à primeira vista e contacto, uma criança extremamente controversa e com uma série de defeitos, mas todos os seus problemas foram adquiridos através do hábito de uma contínua convivência incorrecta a todos os níveis. Custa-me pensar, reflectir e imaginar todos os males que este catraio sofreu ao longo de sete anos, mas, precisamente no outro espectro da equação, está também a salvação que Cathy Glass muitas vezes representa para estes meninos—o conforto e a aceitação que até então lhes era desconhecida.

É engraçado, sem o ser, como muitos dos entraves colocados no caminho da recuperação destas crianças órfãs e que fazem parte do sistema provém, precisamente, dos adultos que não conseguem ver para além de toda a negatividade escrita num papel. O preconceito e os julgamentos preconcebidos foram, são e sempre serão espinhos da nossa sociedade, mas não seria de esperar que, quando são meras crianças os alvos dessa ostracização, o comportamento fosse diferente, fosse mais benevolente? A mãe não me deixa contar não é, somente, uma história de começos complicados e finais—possivelmente—felizes; A mãe não me deixa contar é mais um de entre tantos outros livros que tentam, através do exemplo real, abrir os olhos de muitas pessoas e, quem sabe, dar voz a tantas outras que se escondem atrás de segredos forçados. Não é uma narrativa fácil, não é uma narrativa totalmente bela, mas é, e isso sim, um texto escrito com amor sobre uma mulher que salva vidas.

Gostei mesmo muito deste livro, e confesso que fiquei impressionada com o ritmo de leitura a que este me impôs—li-o no mesmo dia, aliás, não consegui descansar enquanto não virei a última página. Não só as palavras de Glass impressionam e destilam uma beleza única, como a sua dedicação àqueles que sofrem e aos que acaba por amar é, sem dúvida, das coisas mais bonitas e gratificantes de se ler. Os romances desta autora são já presença obrigatória na minha estante, e embora sejam relatos difíceis e muitas vezes violentos, acreditem quando digo que são histórias que não vão querer perder.
Uma aposta imensamente interessante por parte da Editorial Presença, numa abordagem verídica, crua e muitas vezes cruel da realidade que assola um leque quase restrito e escondido da sociedade. Leiam este livro, leiam esta autora.

Para mais informações sobre o livro, clique A mãe não me deixa contar 

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