Título Original: Wither
Autoria: Lauren
DeStefano
Editora: Planeta
Manuscrito
Nº. Páginas: 250
Tradução: Irene Daun e
Lorena & Nuno Daun e Lorena
Sinopse:
Graças à ciência
moderna, todos os recém-nascidos são bombas-relógio genéticas – os homens só
vivem até aos vinte e cinco anos e as mulheres até aos vinte. Neste cenário
desolador, as raparigas são raptadas e forçadas a casamentos polígamos para que
a raça humana não desapareça.
Levada pelos Colectores
para se casar à força, Rhine Ellery, uma rapariga de dezasseis anos entra num
mundo de riqueza e privilégio. Apesar do amor genuíno do marido Linden e da
amizade relativa das suas irmãs-esposas, Rhine só pensa numa coisa: fugir,
encontrar o irmão gémeo e voltar para casa.
Mas a liberdade não é o único problema. O excêntrico pai de Linden está
decidido a encontrar um antídoto para o vírus genético que está prestes a
levar-lhe o filho e usa cadáveres nas suas experiências. Com a ajuda de um
criado, Gabriel, pelo qual se sente perigosamente atraída, Rhine tenta fugir no
limitado tempo que lhe resta.
Opinião:
A morte é o fim que qualquer ser humano tem como certo,
como algo adquirido, mas quando a foice invisível ataca em idades jovens,
idades que ainda se encontram a florescer, a aprender, a crescer, a sensação de
impotência, de desespero, é tal que não somente nos assola por dentro ao pensar
na perda que se aproxima, como leva qualquer um aos mais atrozes actos
possíveis.
Raptada trata-se de
uma distopia indiscutivelmente arrepiante, onde o conceito de moralidade
humana, de integridade social, é colocado de parte de modo a dar lugar à
sobrevivência extrema, ao poder absoluto, ao controlo total. Pelos olhos da
protagonista, Rhine, o leitor vê-se embarcar na mais alucinante viagem pelos
podres da consciência e das acções do ser humano, e pela incapacidade de
escape, de fuga face um aprisionamento forçado, ainda que glamoroso, cujo único
propósito se cinge a gerar descendência, seja de que forma for, com que idade
for, com quantas esposas for.
Lauren DeStefano é uma jovem autora e isso sente-se na
sua escrita ainda que, no entanto, esta se mantenha sempre activa, sempre
interessante e curiosa. Porém, notam-se algumas falhas de primeira obra,
algumas descrições que poderiam ter sido reduzidas, algumas escolhas talvez
menos felizes, mas esses momentos mais «mornos» não são o suficiente para lhe
retirar o mérito de um conceito absolutamente inovador e atractivo e de um
estilo que se afigura muito próprio e que, sem dúvida, detém muita margem de
crescimento, o que, para mim, é algo muito positivo.
O cenário quase apocalíptico, dotado de uma atmosfera
pontuada pelo terror da inconstância do futuro, pela perseguição constante face
os menos favorecidos, e pela manipulação e falsidade que se sente um pouco por
todo o lado, em conjunto com um leque de personagens femininas extremamente
forte e complexo na sua essência, nos seus «objectivos» de vida e própria
vivência, tornam esta uma leitura não só compulsiva como – e principalmente –
intricada.
Rhine tem uma determinação inabalável. A sua capacidade
de tocar o íntimo de Linden, mesmo sendo este um homem magoado, é
impressionante e o modo como ela própria reage perante esses sentimentos algo
contraditórios, arrebatadores, essas necessidades, mantendo-se firme no seu
propósito, no seu desejo, é deveras interessante. Em contraste, Jenna é a mais
correcta, a menos preocupada, aquela que encara a clausura como um meio para
atingir um fim – a morte. E é essa sua sensibilidade, esse seu empenho e, ao
mesmo tempo, casualidade, que rapidamente a transforma no fantasma que está
destinada a ser, na voz da razão que revitaliza a ocasional desorientação de
uma Rhine assoberbada pela grandeza e sumptuosidade da riqueza recém-adquirida.
Cecily, por seu lado, é a eterna criança que se viu obrigada a crescer dadas as
circunstâncias «comuns» da vida, dada a sua beleza e espírito jovem, idade jovem, e que, subitamente, se viu
subjugada à vontade extrema que a trouxe ali, o precioso receptáculo que o seu
corpo frágil, inocente e adolescente é suposto ser. Esta foi uma fusão que me
tocou particularmente devido à conjugação perfeita que o trio representa,
embora as suas personalidades sejam tão díspares, tão singulares. Uma
combinação bastante arrojada, intrusiva.
É imperativo gerar descendência. É crucial ser-se
superior, procurar uma cura, buscar uma forma de prolongar a existência das
gerações vindouras, da comunidade presente, antes que os «mais velhos», os mais
sábios, também sucumbam. E é essa urgência, a par com a revolta do cancro
que assola almas tão jovens e imaculadas, o ímpeto que move uma leitura, de si,
já verdadeiramente compulsiva. Cada pormenor conta. Cada segundo é importante,
cada momento deve ser vivido ao
máximo, desfrutado ao máximo. Mas, ao mesmo tempo, existe a contrapartida de,
inesperadamente, de forma abrupta, sermos destituídos daquilo que nos torna
«nós», sermos afastados daqueles que mais amamos e atirados para uma «vida»
opressiva e controlada a rédea curta. Esse impacto social, esse entrave emocional
e pressão mental são o que torna Raptada uma leitura obrigatória para todos os amantes de livros diferentes, de
histórias que contam um pouco mais, que vão além da mera exposição escrita.
A nível pessoal, esta foi uma narrativa que me arrebatou
por completo, que me provocou inúmeros arrepios, que me deixou abstraída no
perigoso e mortal mundo de Rhine muito após o virar da última página. Mas o que
mais me cativou foram, mesmo, as personagens. Belissimamente construídas, todas
elas tão distintas, apresentam um temperamento único, uma série de
particularidades, hábitos e desejos especiais, e a forma como a autora
conseguiu dar importância a cada uma delas torna-as, para mim, um verdadeiro
bálsamo de leitura. Embora gostasse de não ter sido cingida «quase» a uma só
perspectiva, isto é, tivesse vivido
mais confrontos e revoluções sociais, mais disparidades distópicas, esta foi
uma trama que convenceu e que se «soube vender». E, sem dúvida, trata-se de um
livro que só veio reforçar a minha admiração – e adoração – por este estilo tão
avassaladoramente destrutivo, obscuro, monstruoso.
Uma aposta tenebrosa e muito potente, intensa, por parte
da Planeta Manuscrito que, ultimamente, tem apostado forte nos vários
ramos que constituem o universo do fantástico. Um livro maravilhoso que todo e
qualquer leitor que aprecie uma boa trama apocalíptica não poderá perder.
Gostei mesmo muito.
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