sábado, 27 de outubro de 2012

Raptada, Lauren DeStefano [Opinião]




Título Original: Wither
Autoria: Lauren DeStefano
Editora: Planeta Manuscrito
Nº. Páginas: 250
Tradução: Irene Daun e Lorena & Nuno Daun e Lorena


Sinopse:

Graças à ciência moderna, todos os recém-nascidos são bombas-relógio genéticas – os homens só vivem até aos vinte e cinco anos e as mulheres até aos vinte. Neste cenário desolador, as raparigas são raptadas e forçadas a casamentos polígamos para que a raça humana não desapareça.
Levada pelos Colectores para se casar à força, Rhine Ellery, uma rapariga de dezasseis anos entra num mundo de riqueza e privilégio. Apesar do amor genuíno do marido Linden e da amizade relativa das suas irmãs-esposas, Rhine só pensa numa coisa: fugir, encontrar o irmão gémeo e voltar para casa.
Mas a liberdade não é o único problema. O excêntrico pai de Linden está decidido a encontrar um antídoto para o vírus genético que está prestes a levar-lhe o filho e usa cadáveres nas suas experiências. Com a ajuda de um criado, Gabriel, pelo qual se sente perigosamente atraída, Rhine tenta fugir no limitado tempo que lhe resta.


Opinião:

A morte é o fim que qualquer ser humano tem como certo, como algo adquirido, mas quando a foice invisível ataca em idades jovens, idades que ainda se encontram a florescer, a aprender, a crescer, a sensação de impotência, de desespero, é tal que não somente nos assola por dentro ao pensar na perda que se aproxima, como leva qualquer um aos mais atrozes actos possíveis.

Raptada trata-se de uma distopia indiscutivelmente arrepiante, onde o conceito de moralidade humana, de integridade social, é colocado de parte de modo a dar lugar à sobrevivência extrema, ao poder absoluto, ao controlo total. Pelos olhos da protagonista, Rhine, o leitor vê-se embarcar na mais alucinante viagem pelos podres da consciência e das acções do ser humano, e pela incapacidade de escape, de fuga face um aprisionamento forçado, ainda que glamoroso, cujo único propósito se cinge a gerar descendência, seja de que forma for, com que idade for, com quantas esposas for.
Lauren DeStefano é uma jovem autora e isso sente-se na sua escrita ainda que, no entanto, esta se mantenha sempre activa, sempre interessante e curiosa. Porém, notam-se algumas falhas de primeira obra, algumas descrições que poderiam ter sido reduzidas, algumas escolhas talvez menos felizes, mas esses momentos mais «mornos» não são o suficiente para lhe retirar o mérito de um conceito absolutamente inovador e atractivo e de um estilo que se afigura muito próprio e que, sem dúvida, detém muita margem de crescimento, o que, para mim, é algo muito positivo.

O cenário quase apocalíptico, dotado de uma atmosfera pontuada pelo terror da inconstância do futuro, pela perseguição constante face os menos favorecidos, e pela manipulação e falsidade que se sente um pouco por todo o lado, em conjunto com um leque de personagens femininas extremamente forte e complexo na sua essência, nos seus «objectivos» de vida e própria vivência, tornam esta uma leitura não só compulsiva como – e principalmente – intricada.
Rhine tem uma determinação inabalável. A sua capacidade de tocar o íntimo de Linden, mesmo sendo este um homem magoado, é impressionante e o modo como ela própria reage perante esses sentimentos algo contraditórios, arrebatadores, essas necessidades, mantendo-se firme no seu propósito, no seu desejo, é deveras interessante. Em contraste, Jenna é a mais correcta, a menos preocupada, aquela que encara a clausura como um meio para atingir um fim – a morte. E é essa sua sensibilidade, esse seu empenho e, ao mesmo tempo, casualidade, que rapidamente a transforma no fantasma que está destinada a ser, na voz da razão que revitaliza a ocasional desorientação de uma Rhine assoberbada pela grandeza e sumptuosidade da riqueza recém-adquirida. Cecily, por seu lado, é a eterna criança que se viu obrigada a crescer dadas as circunstâncias «comuns» da vida, dada a sua beleza e espírito jovem, idade jovem, e que, subitamente, se viu subjugada à vontade extrema que a trouxe ali, o precioso receptáculo que o seu corpo frágil, inocente e adolescente é suposto ser. Esta foi uma fusão que me tocou particularmente devido à conjugação perfeita que o trio representa, embora as suas personalidades sejam tão díspares, tão singulares. Uma combinação bastante arrojada, intrusiva.

É imperativo gerar descendência. É crucial ser-se superior, procurar uma cura, buscar uma forma de prolongar a existência das gerações vindouras, da comunidade presente, antes que os «mais velhos», os mais sábios, também sucumbam. E é essa urgência, a par com a revolta do cancro que assola almas tão jovens e imaculadas, o ímpeto que move uma leitura, de si, já verdadeiramente compulsiva. Cada pormenor conta. Cada segundo é importante, cada momento deve ser vivido ao máximo, desfrutado ao máximo. Mas, ao mesmo tempo, existe a contrapartida de, inesperadamente, de forma abrupta, sermos destituídos daquilo que nos torna «nós», sermos afastados daqueles que mais amamos e atirados para uma «vida» opressiva e controlada a rédea curta. Esse impacto social, esse entrave emocional e pressão mental são o que torna Raptada uma leitura obrigatória para todos os amantes de livros diferentes, de histórias que contam um pouco mais, que vão além da mera exposição escrita.

A nível pessoal, esta foi uma narrativa que me arrebatou por completo, que me provocou inúmeros arrepios, que me deixou abstraída no perigoso e mortal mundo de Rhine muito após o virar da última página. Mas o que mais me cativou foram, mesmo, as personagens. Belissimamente construídas, todas elas tão distintas, apresentam um temperamento único, uma série de particularidades, hábitos e desejos especiais, e a forma como a autora conseguiu dar importância a cada uma delas torna-as, para mim, um verdadeiro bálsamo de leitura. Embora gostasse de não ter sido cingida «quase» a uma só perspectiva, isto é, tivesse vivido mais confrontos e revoluções sociais, mais disparidades distópicas, esta foi uma trama que convenceu e que se «soube vender». E, sem dúvida, trata-se de um livro que só veio reforçar a minha admiração – e adoração – por este estilo tão avassaladoramente destrutivo, obscuro, monstruoso.

Uma aposta tenebrosa e muito potente, intensa, por parte da Planeta Manuscrito que, ultimamente, tem apostado forte nos vários ramos que constituem o universo do fantástico. Um livro maravilhoso que todo e qualquer leitor que aprecie uma boa trama apocalíptica não poderá perder. Gostei mesmo muito. 

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