Título Original: Guilty Pleasures
Autoria: Laurell K. Hamilton
Editora: Gailivro
Colecção: Mil e Um Mundos
Nº. Páginas: 367
Tradução: Leonor Bizarro Marques
Sinopse:
«Monica Vespucci usava um crachá que dizia “Os Vampiros também são Pessoas”. Não era um início de noite prometedor. Tinha cabelo curto, habilmente cortado, e uma maquilhagem perfeita. O crachá devia ter-me alertado para o tipo de despedida de solteira que planeara. Há dias em que sou demasiado lenta a perceber as coisas.
Eu usava jeans negros, botas até ao joelho e uma blusa carmesim, de mangas compridas, para esconder a bainha da faca que trazia no pulso direito, e as cicatrizes no meu braço esquerdo. Deixara a minha arma na mala do carro, pois não achava que a despedida de solteira se pudesse descontrolar por aí além... »
Opinião:
Laurell K. Hamilton não me é totalmente desconhecida. Aliás, foi uma das autoras que, este ano, maior surpresa provocou em mim. Fiquei indubitavelmente deliciada com a sua escrita e perspicácia literária e, por isso, foi com grandes expectativas que parti para a leitura de uma das grandes e provavelmente mais desejadas apostas da 1001 Mundos para este ano – Anita Blake com o seu primeiro Prazeres Inconfessos.
O conceito em si, a ideia base da narrativa é deveras intrigante e apelativa. Laurell K. Hamilton conseguiu construir uma estrutura inteligente e ousada, centrando-se numa análise mais pura e sangrenta de uma das criaturas sobrenaturais que maior fascínio e audácia provoca no leitor – os vampiros. Igualmente abordando outros “monstros” do fantástico, como os carniçais (pouco comuns), os zombies e até algumas beldades de muito pêlo, a autora permitiu que o foco se manifestasse um pouco por todo o lado, criando situações de interesse aqui e ali. No entanto, e a nível pessoal, não creio que tenha sido o suficiente. Esperava mais deste livro – muito mais! – e penso que até retirei um pouco de desilusão e angústia desta leitura. Compreendo que estejamos perante um livro introdutório, um primeiro volume por forma a desenvolver alguma familiaridade e uma certa ambiência no leitor mas seria muito pedir um pouco mais? Um pouco mais de energia, de vivacidade, de empenho? A verdade é que, em comparação com o outro livro da autora publicado em Portugal – por uma editora diferente – este quase que não soube a nada e, sem dúvida, que lhe ficou muito aquém. Talvez se deva pela inexperiência da autora na altura em que escreveu Prazeres Inconfessos mas não creio que seja um justificativo assim tão plausível.
Pelo menos, a personalidade da protagonista arrebata tudo. Se não fosse a personagem principal seria capaz de catalogar este livro como um erro de mercado mas, graças a Deus, existe Anita Blake! Ela possuí todas as características que uma líder literária deve ter – um humor afincado e aguçado, uma destreza assombrosa e nada de «papas na língua». É possível que tenha problemas com alguns vampiros, que outra coisa se poderia esperar?, mas nada que uma cruz e um pouco de água benta não resolva.
As características aprisionadas aos seres da noite foram outra surpresa. Fiquei agradavelmente assombrada com o bar que dá nome a esta obra, o Prazeres Inconfessos, e com os prazeres que ele efectivamente inconfessa. Este serviu ainda de mote introdutório, para o leitor, por forma a deparar-se com uma espécie imortal extremamente mortífera e fatal. Mesmo não apresentando nada de novo, trata-se de uma conjugação muito satisfatória entre os lados mais primitivo e racional do vampiro. Fica também uma pequena e positiva nota para o comportamento dos zombies quando reanimados.
Em contrapartida, encontrei um enredo confuso e pouco energético. Acção é o que não falta – numa semana de trabalho, Anita Blake é capaz de chegar todos os dias a casa física e psicologicamente massacrada. Contudo, e principalmente no início, a trama apresenta-se de forma algo incoerente e sem nexo. Pessoalmente, achei algumas cenas demasiado longas e outras simplesmente despropositadas. Uma, em especial – o retrato de uma luta entre dois poderosos seres –, deixou-me na ignorância até quase cinco ou seis páginas depois. Foi tudo tão apressado, na descrição, e descuidado, que me senti, efectivamente, perdida.
Outra infelicidade foi o amarfanhar inconstante de personagens secundárias. Embora não sendo em demasia, a verdade é que muitas delas ficam por se conhecer. Temos a sua presença, o seu contributo e, por vezes, a sua ajuda e/ou auxílio mas, no que diz respeito a o leitor ficar a conhecer alguma coisa do seu íntimo, propósito ou background, zero. Porém, algumas são intrigantes e muito, muito atraentes. Nomeio, a título de exemplo, Edward – com o seu mistério e áurea sombria –, Jean-Claude – que, mesmo ausente durante grande parte da narrativa, continua a exercer uma pressão verdadeiramente vampírica e sedutora no leitor – e Nikolaos – uma menina graciosamente inocente e malévola, tudo ao mesmo tempo.
Mais problemático ainda foi a péssima revisão de Prazeres Inconfessos. O descuido foi enorme e não fosse a falta de acentuação nalgumas palavras crime suficiente, também há a falta das mesmas! Muitos “que”, “o”, “a”, entre outros, ficaram por encontrar... e ainda que inicialmente dê a ideia de não ser nada de especial ou importante, o facto de estar fortemente presente em todo o livro, praticamente página por página faz, não só, que a concentração do leitor se vá despedaçando aos poucos como, de igual modo, que o leitor, por vezes, tenha de recuar na leitura por forma a perceber o real sentido da frase que acabou de ler, e que aparentemente também ficou perdido algures.
Por fim, não posso terminar sem abordar a questão de capa e da premissa enganadora. Há quem não goste e gostos não se discutem – só às vezes – mas acho a capa deste livro unicamente deslumbrante. Todo o vermelho alusivo ao sangue, com o néon nas letras e a sensualidade carismática na mulher retratada com o fundo imenso e obscuro de uma cidade em plano estado de vida deixam no leitor a sensação de uma grande e muito boa obra do género fantástico mais leve. Primeiro erro. Depois, temos a frase que a acompanha: «O que fazer quando o monstro que jurámos matar se converte no homem sem o qual não podemos viver?» e que é, sem dúvida, muito prometedora mas... sejamos honestos, que homem é esse exactamente? E de que forma não consegue a protagonista viver sem ele? É que enquanto o livro transborda sensualidade sanguínea e violenta, a carga sexual e intensa que a capa e a premissa deixam no ar é inexistente. Fiquei sem saber de que homem se fala nem em que sentido Anita se sente profundamente ligada a ele. Sim, temos uma espécie de ligação, ainda pouco explicada e entendida, de sangue com uma dita personagem que gostei muito mas também temos uma espécie de conexão emocional com outra, só que, fora isso, estou completamente em branco. Qual dos dois será? Ou melhor, será que é algum deles? Fica a dúvida...
Prazeres Inconfessos poderia ter sido muito mais. No entanto, fica uma certa curiosidade por saber o que vai acontecer a seguir. Irei continuar a acompanhar esta série, convicta de que o próximo volume será melhor mas, até lá, não sei se conseguirei manter Prazeres Inconfessos vivo na minha mente. Esta é, decididamente, uma perspectiva diferente que Hamilton oferece aos seus vampiros mas começo a achar que talvez ela se dê melhor com fadas. Vamos ver o que se segue...