quarta-feira, 11 de maio de 2011

A Terra Toda, José Manuel Saraiva



Título: A Terra Toda
Autoria: José Manuel Saraiva
Editora: Porto Editora
Nº. Páginas: 192


Sinopse:

Abandonado por uma mulher que o traiu com outro homem, Rafael recorre às consultas de uma psicanalista, com quem acabará por se envolver.
Só que ele não sabe que está com isso a ressuscitar o seu passado e a expor-se a uma traição ainda mais dolorosa.

Fazendo uma pausa no romance histórico, que o consagrou como um dos mais populares autores portugueses, José Manuel Saraiva mergulha agora nas águas mais profunda da nossa actualidade, abordando um tema escaldante que fará ainda estremecer algumas boas consciências.


Opinião:

Amar não é fácil. Requer uma enorme vontade de aceitação e molde para com o outro, necessita de um esforço extra de compromisso e abertura mas, acima de tudo, amar automaticamente apresenta vulnerabilidade. Vulnerabilidade para se sofrer, para se perdidamente apaixonar, para se morrer internamente, para se procurar (e encontrar, talvez) a felicidade. No entanto, amar, seja no sentido romântico, amigo ou familiar, é uma sensação sem a qual o ser humano não consegue sobreviver, caso contrário, é a melancolia, o desespero e a solidão que se lhe abarcam não só o corpo como o pensamento. José Manuel Saraiva não poderia ter mostrado um melhor trabalho caracterizador de todos estes sentimentos e pensamentos, como o fez em A Terra Toda.

Guiando-se pela personalidade de Rafael Dantas, um homem que, na casa dos sessenta, procura ajuda médica especializada para melhor conseguir lidar com a dor e a traição que o corrói por dentro, José Manuel Saraiva apresenta um romance impecavelmente escrito, com uma linguagem cuidada e atenta, incrivelmente bela e fluida nos diálogos e concisa e discreta nas descrições, que embala o leitor numa teia de contradições, vivências e afectos, embelezada por personagens tanto interessantes como fiéis aos seus ideais e desejos. Rafael não é um mero homem... é alguém profundamente marcado pelo sofrimento da guerra, pelo desinteresse dos seus pais aquando pequeno, pelas atitudes algo persuasivas e arriscadas da adolescência e pelos amores incompletos e vazios da vida adulta. Catarina e somente Catarina o levaram a abraçar um carinho mais permanente e marcante, porém, a fuga de tão fabulosa e desejada jovem para França, acompanhada por um “amigo”, deixaram Rafael inevitavelmente fraco, angustiado e reprimido com a vida e o futuro. Quando, cerca de quarenta anos mais tarde, ele se deixa novamente levar pela ilusão do amor verdadeiro, nada o irá preparar para a desilusão e extrema decepção que Sara, a mulher que mais amou, lhe eternamente deixará marcada no peito. É Sara e também Catarina quem leva Rafael a procurar Clara Gautier, psiquiatra profissional, que não só o escutará com atenção, levando as sessões por caminhos inesperados de conflitos passados, amores perdidos e uma infância reprimida como, de forma misteriosa e implacável, dirige uma relação estritamente profissional por caminhos mais íntimos, secretos e emotivos. De uma premissa tão simples, tão humana e até moderna, é maravilhosa a forma como José Manuel Saraiva confere uma essência única e profundamente sentimental a uma história que envolve, que comove, que entretém e que delicia o leitor. Um livro singular, um romance cativante e extremamente provocador, que aborda toda uma vasta gama de temas, desde a homossexualidade às ditas éticas profissionais. Pessoalmente, uma obra que me arrebatou por completo logo desde o primeiro capítulo, daquela sessão inicial de Rafael com Clara, daquele vocabulário exímio e tão, tão impressionante, um livro que marca a diferença, a todos os níveis e que vem, uma vez mais, provar que o que é nacional também é bom. Muito bom até.

A Terra Toda é mais uma excelente aposta da Porto Editora, que se guia pela qualidade literária (tanto nacional como internacional) e, sem dúvida, uma obra que não poderia recomendar mais fervorosamente. 

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