Título Original: Fun Home – A Family Tragicomic
Autoria: Alison Bechdel
Editora: Contraponto
Nº. Páginas: 238
Tradução: Duarte Sousa
Tavares
Sinopse:
Exigente e distante, Bruce Bechdel era professor de
Inglês e dirigia uma casa funerária – a que Alison e a família chamavam, numa
pequena piada privada, a «Fun Home». Só quando estava na universidade é que
Alison, que recentemente admitira aos pais que era lésbica, descobriu que o pai
era gay. Umas semanas depois desta revelação,
Bruce morreu, num suposto acidente, deixando à filha um legado de mistério,
complexos e solidão.
Opinião:
«Aos quadradinhos» pode
ser a melhor forma, a única forma, de contar, transmitir, todas aquelas histórias
passadas que primam pela intensidade e veracidade dos momentos vividos, muito
para além do que nos torna «nós». Ocasiões que prometem um relato real, uma
introspecção emotiva, e que esmeram, analisam e reflectem todos os sentimentos,
todas as mágoas e cicatrizes, todos os dissabores e alegrias de uma existência
que tem de significar, que tem de instigar algo mais. São relações difíceis,
perdões desperdiçados e bênçãos que ficaram esquecidas, soterradas em
superficialidades benignas e ocultas de um íntimo bem mais profundo, bem mais
rigoroso e corrosivo do que o que aparenta, exteriormente, ser.
Fun Home – Uma Tragicomédia Familiar trata-se de uma biografia íntima, um livro de memórias
onde se encontram exploradas as várias feições, contornos de uma relação
fortemente pontuada pela palavra escrita, entre um pai e uma filha que muito
mais mostram ter em comum, nas suas diversas fases da vida, do que aquilo que
interagem – e, a dada altura, interagiram – um com o outro. Essa falha de
comunicação, de carinho e conforto parental torna-se marcante e, com ela, podem
advir nostalgias e batalhas internas expectáveis e que pouco ou nada poderão
alguma vez oferecer de certeza, de cumplicidade.
Alison Bechdel volta a
ser criança, adolescente e novamente adulta numa exposição carente e objectiva
daquilo que experienciou, do modo como se sentiu, aquando de cada estádio etário.
Ela mostra-se ao longo das páginas, dos vários pedaços narrativos, simples e
honesta, e dá-se a conhecer ao leitor ao mesmo tempo que essa empatia, essa
ligação se vai estendendo ao seu pai, uma personagem fulcral nesta obra,
criando assim uma teia muito palpável, muito autêntica com as expectativas,
dilemas e problemas com que a própria autora lidou. E é esse manifesto, essa
percepção, que fortemente cativa o leitor e o prende numa vida que se viu
vivamente assinalada pela dúvida, pela descoberta e pela falta de afecto, de
uma presença, paternal.
Tratando-se de uma
novela gráfica que aborda o real, e sendo a relação entre leitor e autora do
mais resistente e evidente possível, foi com grande apreço que constatei que
houve, igualmente, um cuidado extra, uma beleza efémera contida na ilustração
que acompanha o texto, transformando esta num elemento tão essencial e
importante quanto a exposição narrativa. É que não só a própria arte do desenho
é apelativa, consistente e interessante como, e principalmente, os pormenores,
os pequenos detalhes encontrados em cada quadradinho, em cada visão pelos olhos
de Alison, estão magnificamente postados. E essa componente mais simples e
invulgar numa obra que se apresenta bastante densa em conteúdo, até mesmo um
pouco esmagadora e obsessiva, é algo de extremo valor e relevância.
Em contraste, nota-se
uma certa percepção elucidativa à medida que se vai avançando na obra, deixando
a sensação de que Alison vai ao encontro de explicações que justifiquem algumas
das atitudes, dos actos, levados a cabo pelo seu pai. Assim, e a dado ponto, a
própria narrativa adquire traços muito próximos da homenagem, numa necessidade
de realização por parte da autora, em reconhecer a importância que o pai teve
na sua vida, e nas várias formas como este tentou alcançá-la, com um significado,
uma mensagem ou um caminho, através da paixão inerente que sentia pela
literatura.
Outro dos aspectos que
agraciam esta novela é, sem sombra de dúvida, a diversidade de temáticas que
aborda e o modo como estas afectaram e, com certeza, ainda afectam as «personagens»
ditadas na narrativa. A homossexualidade, a incoerência familiar, a
auto-descoberta e a inabilidade em se assumir algo que faz parte de nós, por
entre outras situações, são somente alguns dos temas que podem ser encontrados
e sobre o qual o leitor irá, certamente, reflectir. Para mim, este foi um dos
elementos mais atractivos com que me deparei e, claro está, dos que maior
curiosidade me suscitou.
Em última instância,
penso que Fun Home é uma busca por um
sentido, por uma realidade que deixou de existir, por um pai que nunca o foi –
no verdadeiro quê da palavra –, por uma resposta, um significado perante uma ausência
inexplicada, por uma felicidade plena que persiste em manter-se incompleta. E,
nesse aspecto, Alison soube como seduzir... como se revelar, como descrever
cada comportamento da sua família, cada palavra que ficou por dizer, cada carta
que foi escrita e cada gesto que nunca virá.
É relativamente fácil
escrever uma opinião sobre algo ficcional, mas quando a realidade é o texto que
nos atinge, quase tudo se transforma
numa suposição, na leitura que cada um retirou. Ainda assim, estas são apostas
magnificas por parte da Contraponto, que não desilude nem engana na sua
diferença e qualidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário