Título Original: Cosa ti cade dagli occhi
Autoria: Gabriele Picco
Editora: Contraponto
Nº. Páginas: 210
Tradução: Carlos Martins e Silvana Urzini
Sinopse:
Ennio é um jovem tímido que tem um interesse muito especial: lágrimas, misteriosas gotas de água salgada que contêm sonhos, lembranças, medos... Quando vê uma, fotografa-a e inventa uma história. Contudo, o próprio Ennio não chora, nunca. Aprendeu a enterrar a dor, a ocultar os sentimentos e, com eles, o seu segredo mais inconfessável.
Fugindo do passado, Ennio parte para Nova Iorque. Certo dia, encontra o diário de uma rapariga japonesa: Kazuko. Deslumbrado pelos fabulosos desenhos que encontra naquelas páginas, Ennio parte numa busca incessante para devolver o livro à dona. Durante este período, a sua história entrecruza-se com a de outras personagens tão excêntricas quanto cativantes: Gianny, que tem uma fisga no nome; Arwin, que filma tudo o que o rodeia com uma câmara escondida no cabelo; Josh, que perdeu a mulher no atentado às Torres Gémeas e agora colecciona pó; e ainda, uma gaivota ferida, resgatada da neve de Abril - que, dizem, dá sorte.
Opinião:
Por vezes, a vida apresenta-se tão cruel e palpável que, inconscientemente, só desejamos conseguir olhar os vários caminhos que se atravessam diante de nós, de forma diferente. Outras vezes, o destino mostra-se tão simples e monótono, tão sem fruto ou alegria que o sentimento de mudança, de vontade própria, apodera-se de nós e, agarrando-nos pelos pés, atira-nos contra toda uma série de destinos desconhecidos. São estes instantes no tempo, estes momentos do presente, do passado e do futuro que por vezes fazem derramar aquelas coisas que nos caem dos olhos. Lágrimas onde, em cada gotícula salgada, estão instaladas as nossas mais emotivas e sensíveis recordações. Memórias de dor, de felicidade e de prazer. Memórias do tudo... e do nada que nos moldam naquilo que somos.
As Coisas que te Caem dos Olhos trata-se de uma fábula comovente onde, com uma prosa simples e encantadora, acompanhada de ilustrações quase infantis de uma realidade que nos transforma a cada dia que passa, encaminha o leitor para uma viagem alucinante e absolutamente mágica. É-me muito difícil falar sobre este livro pois os ensinamentos são tantos, as mensagens tão poderosas e a fantasia algo tão presente que, sem uma leitura prévia, discutir a verdadeira essência que constitui esta narrativa torna-se algo rudimentar e pouco impressionável. Sem dúvida que esta é uma daquelas obras em que, mesmo com toda uma série de lições, cada leitor retirará uma experiência diferente, uma emoção geral distinta.
Gabriele Picco consegue, assim, o feito de cativar à primeira página e de instalar a curiosidade no leitor ao apresentar uma explicação fascinante sobre os vários sacos lacrimais que, na versão do protagonista deste romance, encerram em si uma importância extrema no que diz respeito às lembranças que, delicadamente, se afogam nas lágrimas rebeldes que este aparelho tão sensível e espontâneo insiste em libertar. Um autor espantoso, dotado de uma imaginação incrível e excêntrica ao mais alto nível.
Ennio é o tipo de personagem que, com relativa facilidade, conseguiria fazer-se passar por um conhecido ou familiar nosso amigo. Tratando-se de um jovem simples e resoluto, dotado de uma personalidade algo nervosa e inconstante, este é um interveniente que, dadas as incongruências com um passado familiar que o assombra virtualmente, foge para os Estados Unidos da América à procura de uma vida melhor, prometendo, à partida, não se apaixonar – quando é o que mais deseja que aconteça – e lutando pela felicidade que antes não possuía. É pelos olhos desta invulgar personagem que o leitor se vê confrontado com toda uma parafernália de situações caricatas, personalidades extravagantes e encontros e desencontros que reformularão, do principio ao fim, um intelecto tímido e fechado como o de Ennio.
Parte da beleza desta pequena preciosidade em formato papel, passa pelas magníficas ilustrações que não só permitem ao leitor deslumbrar-se com uma componente visual altamente apreciada e pouco vista em romances deste calibre, como igualmente servem de suporte extra de modo a enquadrar, na perfeição, a história mítica que se encontra perpetuada nestas páginas. Claramente, uma excelente técnica que visa tornar este livro ainda mais único e especial.
Outro dos aspectos que, a meu ver, acabou por se evidenciar recai no extraordinariamente metafórico homenzinho que reside dentro da barriga de Ennio, a personagem principal. Esta figura representa, sem sombra de dúvida, o receio e o nervosismo que, invariavelmente, acompanha cada um de nós, numa constante. Talvez seja um demonstrativo do medo de que algo corra mal, ou da ânsia de se alcançar um objectivo que, anteriormente, se encontrava bem distante das nossas mãos... mas a verdade é que esta personagem de pequeno porte mas importância superior é a particularidade que se manifesta nas ocasiões mais constrangedoras e inapropriadas, naquelas situações em que somente esperamos que tudo continue normal, até que algo inesperado e que vínhamos a guardar silenciosamente dentro de nós... dispara!
A par com um leque excepcional de personagens divertidas e diferentes – desde Kazuko que só quer reaver o seu diário e alcançar a cauda de um sonho, passando por Arwin que é um autêntico cromo do cinema filmando tudo e todos com a sua câmara oculta e indo até ao próprio Ennio –, com uma escrita revigorante e vertiginosa e uma imaginação incrível, As Coisas que te Caem dos Olhos trata-se de uma fábula espectacular para quem procura distrair-se, ler algo totalmente exuberante mas que, ao mesmo tempo, pretende desfrutar de umas quantas mensagens profundas e bem reais que, neste romance em particular, se encontram camufladas num enredo inesperado e completamente estranho – no bom sentido!
Pessoalmente, esta foi uma leitura que me deu real prazer e que voou a uma velocidade estonteante! Um escritor que, de certa forma, me faz lembrar Francesc Miralles, no sentido em que se distingue dos demais, e que se traduz em mais uma excelente aposta por parte da Contraponto.
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