quinta-feira, 19 de julho de 2012

Milagre, R. J. Palacio [Opinião]



Título Original: Wonder
Autoria: R. J. Palacio
Editora: ASA
N.º Páginas: 362
Tradução: Leonor Marques


Sinopse: 

August nasceu com uma deficiência genética que faz com que o seu rosto seja completamente deformado. Quando nasceu, os médicos não tinham esperança de que sobrevivesse, mas sobreviveu. Vários anos e muitas cirurgias depois, August vai, aos dez anos, enfrentar o maior desafio da sua vida. A escola. 
Contado a várias vozes, é uma história emotiva das dificuldades que tem de superar uma criança com uma terrível deformação e um relato do milagre que é a vida. 


Opinião:

Ser-se diferente pode ser uma dádiva. Possuir algo que nos distinga dos demais, que nos torne únicos, belos na nossa própria e inconfundível essência. Mas, por vezes, quando essa divergência se manifesta exclusivamente no nosso rosto, nas nossas definições genéticas, na nossa má sorte e linhas, características, individualidades faciais, a monstruosidade, o desprezo alheio e a arrogância, o constante mal dizer e afastar do olhar, pode tornar-se uma naturalidade comum, um costume do dia a dia. Um sofrimento perpétuo. 

Milagre trata-se de um romance extremamente envolvente e sentimental, profundo. Mesmo sendo retratado a várias vozes, de um grupo restrito, pequeno e distinto de protagonistas jovens, tenros em idade, nota-se, bem presente ao longo das páginas, o sentimento de angustia, de receio e crueldade, de abandono, de solidão, de mágoa mas também de amor incondicional, de alegria e amizade para com um protagonista especial, singular... excepcional!
R. J. Palacio é fabulosa na medida em que nada é deixado ao acaso, e em que tudo tem um significado e uma carga emocional forte, compacta. A forma como demonstra através de acções, de palavras e gestos, até que ponto uma criança pode ser cruel, pode ser má e agoísta, intencionalmente, é incrível e para um leitor pouco acostumado a este género de obras - e até ao que as lê com frequência - pode, inclusive, tornar-se uma leitura revoltante, excessiva, dominante. 
Eu revoltei-me. Eu senti-me magoada, sensibilizada. Eu sofri por uma personagem que, embora aqui seja ficcional e faça parte de um mundo familiar honesto e carinhoso, com facilidade poderia ser um vizinho meu, um parente próximo ou um amigo que não teria, tendo em conta os valores e a moral da sociedade de hoje em dia, o mesmo tipo de apoio, de cedência parental, de amor eterno e incondicional. 

Existem mil e um tipos de personagens, mil e uma «pessoas» que, assiduamente, percorremos, descobrimos, conhecemos. Rostos anónimos, invisuais, intocáveis que vivem em páginas experientes, emotivas, sentimentais. E depois, num patamar superior, inigualável, existem personagens como August - impossíveis de descrever, dotadas de uma beleza incrível, incomparável, impensável até! Intervenientes únicos com uma capacidade inexplicável, assombrosa, de tocar no íntimo dos seus leitores. Neste caso, August é um menino sofredor, um menino que somente deseja ter um rosto normal, uma vida normal. Mas, ainda assim, é uma criança que não deixa de ser compassiva e aceite de si mesma, alguém que, mesmo não se sentindo incluido, integrado, mesmo tendo medo, não deixa de ser extraordinário. 
Via encontrou, também, um lugar especial no meu coração pela sua atitude de irmã mais velha, de protectora sem igual, de força arrebatadora, de alguém que serve de exemplo, alguém que, mesmo cometendo erros, mesmo tendo consciência de que é afectada pela deformação do irmão, mesmo assim não se deixa ir abaixo, não se deixa ser julgada, não permite alterar, modificar, moldar a pessoa que verdadeiramente é. E Via... Via brilha, Via é resplandecente, é luminosa e é, acima de tudo, um ser, uma personagem abençoada em tantas formas, em tantos meios, que será impossível passar despercebida. 

De cariz mais secundário, existem três outras vozes merecedoras de referência, seja pela simplicidade e amizade que oferecem, ou pelo egocentrismo e crueza, barbaridade, com que encaram o que é «diferente», o que é desconhecido. 
Jack é o protótipo ideal de um amigo fiel, de um amigo, um companheiro de aventuras, de trabalho, que está ao nosso lado para nos apadrinhar, nos ajudar e divertir. Contudo, não deixa de ser uma criança, um jovem, e, por isso, encontra-se sujeito às influências das «más» parcerias, do engano, do que é dito ser certo, ser correcto, numa comunidade estudantil. Já Summer, por seu lado, é precisamente como o seu nome indica - um verão quente mas refrescante, significativo mas moderado, uma brisa revolucionária e intelectual. Uma rapariga que não olha ao que os outros dizem, pensam ou fazem, e que não resiste a unir-se a August numa amizade improvável mas que deixará marcas para todo o sempre de ambos. Por fim, Justin. Odioso, cruel, mau. Um jovem feio por dentro, podre, que só se sente bem quando consegue atingir os mais fragilizados, os que não têm meios de defesa, de luta. Um miúdo arrogante, mimado - como muitos hoje em dia - que só vem provar que, não só a educação recebida em casa, pelos pais, é determinante no crescimento e atitudes pessoais como também, e acima de tudo, que a malícia, que a desumanidade e a frieza é passível de existir nos mais pequenos, nos mais «inocentes», e não somente nos adultos. 

Pessoalmente, eu adorei este livro. Amei estas personagens, as suas fraquezas, as suas buscas. Sofri com elas, batalhei ao lado delas, aprendi frente a elas e penso que tudo isso se nota. Não só Milagre foi uma leitura agradável, inesperada é certo, que me rejuvenesceu, me abriu os olhos para uma outra faceta da humanidade, da sociedade, como igualmente foi uma aprendizagem que me marcou, me revoltou, me emocionou, me fez ser alguém diferente, mais atento, mais cuidadoso, mais benevolente. Um livro que quero ler outra vez, um dia mais tarde, quando a certeza da bondade se tornar volúvel, inconstante no meu pensamento, no meu coração. Um romance lindíssimo, com uma carga emocional magnífica e uma linguagem tão simples, tão marcante, tão encantadora quanto mágica, quanto poética. Uma leitura que pode - e irá, certamente - ser desfrutada por qualquer idade, qualquer tipo de leitor, qualquer curioso que não resista a um relato impressionante de uma realidade que poderia muito bem ser a nossa. 

E para mim, é precisamente isso que a Livros com Sentido significa, simboliza. Uma colecção singular, especialmente tocante, emotiva. Uma colecção que aborda temas do real, temas polémicos e que, mais cedo ou mais tarde, têm de ser folheados, têm de ser interiorizados, assistidos. Estas são apostas, são livros e histórias que comovem e entusiasmam, que fazem chorar e fazem rir, que permitem ir mais além, mais longe, conhecer mais, crescer mais. Sem dúvida, uma colecção que me faz sempre ansiar pela próxima publicação, pela próxima aventura surpreendente, que me faz comover, impressionar em cada livro, em cada linguagem, em cada retrato. Uma colecção... única. Perfeita. Verdadeiramente excepcional. 
Mais uma excelente aposta da ASA, numa chancela de histórias que têm sentido, que servem um propósito e que ficam connosco para a vida. Irrepreensivelmente brilhante, numa narrativa que se traduz num forte, muito forte candidato ao meu top 10 deste ano. Adorei. 

Sem comentários:

2009 Pedacinho Literário. All Rights Reserved.