domingo, 26 de fevereiro de 2012

Corações Sagrados, Sarah Dunant



Título Original: Sacred Hearts
Autoria: Sarah Dunant
Editora: ASA
Nº. Páginas: 440
Tradução: Elsa T. S. Vieira


Sinopse:

Em plena Renascença, o convento de Santa Caterina está repleto de mulheres da nobreza cujos comportamentos foram reprovados pelas suas famílias. Muitas estão já resignadas com esse destino. Mas a recém-chegada Serafina não se conforma. Vive obcecada com a fuga e o homem que ama. A sua revolta quebra a harmonia do convento dirigido por Madonna Chiara, uma abadessa tão à vontade na política como na oração. Ela entrega Serafina aos cuidados da Suora Zuana, a jovem freira que dirige o dispensário e trata todas as maleitas, da pestilência à melancolia e à automutilação. Perante a improvável amizade que vai unir estas duas mulheres, há quem se mantenha vigilante, como é o caso da severa Suora Umiliana e da misteriosa Magdalena, com um passado de êxtases e visões... Mas o espírito rebelde de Serafina vai abalar irreversivelmente a vida do convento e as mais profundas convicções das suas ocupantes.


Opinião:

O coração, mais do que a alma, é o bem que nutre tanto o físico como o psicológico do ser humano. No caso da mulher, é o elemento que ela cuida acima de tudo, protegendo-o da mágoa e felicitando-o com o amor. O coração é ainda a razão de muitas escolhas, decisões e atitudes. Alvo de raivas, desgostos e celebrações. De clausura, agonia e dor...
Num convento em Ferrara, Itália, uma jovem noviça dá entrada contra a sua vontade. O desespero que ela levará a cabo mudará, para sempre, as mulheres que fazem daquele cingido e não partilhado espaço, a sua casa. Mas num sítio onde a devoção a Ele é acarinhada e solenizada a toda a hora, conseguirá esta rapariga escapar, indo de encontro àquele que verdadeiramente ama? Ou a opressão e as regras farão dela a mais recente – e permanente – «aquisição» da comunidade beneditina local?

Corações Sagrados é o primeiro romance que leio da autora. Sarah Dunant transmite, claramente, um toque muito especial na forma como espalha a palavra escrita e revitaliza – regozija! – o poder e a força da mulher. Numa época onde esta era vista como um ser inferior e desprovido de opinião, Dunant encontra maneira de a embelezar e dar vida, criando um enredo emocionalmente rico e estável, que ficará na mente de quem o ler por muito e muito tempo.
Se eu esperava uma intensidade e dedicação a este nível? Nem por sombras. Mas verdade seja dita, esta é uma obra que se distingue das demais e cuja evidente pesquisa, por parte da autora, não só da Renascença em si como da componente medicinal que alberga, serve de solidificação à ideia que o próprio leitor, sozinho, facilmente visualiza na mente. Este é um livro irreverente, assombrosamente espiritual e afectuoso, que certamente marcará pela diferença.

Cinco são as presenças que se destacam numa Santa Caterina repleta de mulheres notavelmente inteligentes e tocadas pelo divino. A primeira, aquela cuja voz é mais extensa e cujo pensamento nunca abandonaria uma alma sofrida à sua sorte, é Suora Zuana. Esta mulher, que não só dedicou a sua vida e amor a Deus mas também ao profundo legado médico deixado pelo seu falecido pai é, para mim, não só a personagem principal como também a de maior importância para o desenrolar da narrativa. Os seus conhecimentos serão de grande uso e o seu intelecto, sempre atento e desperto, fará com que muitas das suas acções sejam levadas a cabo mesmo quando parte destas vai contra a vontade da figura autoritária do convento. Será a sua ajuda, determinação e bondade que permitirá o crescimento, desenvolvimento e encontro pessoal de uma noviça intempestiva e rebelde e, posteriormente, do alivio da sua dor.
Madonna Chiara é outra das intervenientes de grande estima. O seu empenho para com o convento e respectivas habitantes é francamente insigne. A sua postura relativamente aos problemas e surpresas que vão surgindo ao longo da trama, às pequenas rebeliões e falsas modéstias é extraordinária e o modo como ata sempre as pontas soltas, mostrando um conhecimento elevado perante todas as outras é, sem dúvida, um dos maiores atributos que este romance tem para oferecer.

Serafina é a noviça que qualquer convento não deseja receber. Ela é rebelde, arrogante e inflexível, uma jovem cujo coração pertence ao homem que foi obrigada a deixar para trás. Mas ela tem um plano... um plano que poderá valer-lhe a libertação total ou a enclausura perpétua. Como rapariga que não tem nada a perder, Serafina tentará de tudo para persuadir as suas guardas de que Santa Caterina não é a sua casa, mas muitas surpresas aproximam-se e, com elas, estados emocionais que Serafina não estará, de todo, preparada para enfrentar.
Suora Umiliana é a mestra que todas as jovens receiam e que todas as freiras respeitam. Podem não concordar com os seus métodos de devoção a Ele, mas não há dúvidas de que esta é uma mulher convicta e extremamente dedicada. Se calhar, até em demasia. Só que Umiliana não aceita a derrota e num confronto, é a mestra que terá de sair por cima, e por isso mesmo, não se restringirá a meios para atingir os objectivos divinos que estabeleceu para si e para Santa Caterina.
Magdalena é a presença que mais carinho e adoração provoca no leitor. Uma mulher santa, uma pessoa que vive unicamente para servir Deus e para espalhar o seu amor por aquelas que acredita serem merecedoras dele. É uma personagem algo enigmática que acaba por criar um laço muito estreito com o leitor, e da qual gostei imenso.

Este não é um livro de leitura frenética. Corações Sagrados é o tipo de romance que se quer desfrutar lentamente de modo a captar toda a sua essência e mensagem. Dunant tem uma escrita louvável e profundamente tocante, que envolve o leitor na sua teia de palavras e que o faz não mais se querer desprender. No entanto, este é um enredo cuja mancha negra é bastante visível e, como tal, que engloba uma grande proporção de descrições exaustivas e centradas na vida de um convento e na devoção de uma série de mulheres que tiveram a infelicidade de nascer fora do seu tempo.
Não só as personagens são uma das mais valias deste livro – a par com a escrita singular de Dunant –, também a construção do mundo criado por esta e a atenção com que retratou os modos da época são impressionáveis e deliciosos. Para quem se sente atraído pelo Renascimento e tem curiosidade por um dos temas que o marcou grandemente – as centenas de mulheres nobres, e não só, que foram confinadas à vida num convento –, então este é o romance perfeito pois mais ninguém se conseguirá elevar ao nível de Sarah Dunant.

Ainda que não tenha sido uma leitura fácil ou rápida, Corações Sagrados foi um livro que gostei de ler e que, surpreendentemente, me vi incapaz de largar. Continuo a manter a minha opinião face a religião e a achar que muitas das acções e regras praticadas tanto agora como na altura são – e foram – inumanas mas, como qualquer leitora e mulher, sinto-me feliz e honrada por ter tido a oportunidade de encontrar personalidades (ainda que fictícias) que não tiveram medo de ir contra as normas. Uma autora que vou continuar a seguir, numa aposta espantosa e fascinante por parte das Edições ASA.  

Sem comentários:

2009 Pedacinho Literário. All Rights Reserved.