Título Original: City of Bones
Autoria: Cassandra Clare
Editora: Planeta Manuscrito
Nº. Páginas: 415
Tradução: José Luís Luna
Sinopse:
No Pandemonium, a discoteca
da moda de Nova Iorque, Clary segue um rapaz muito giro de cabelo azul até que
assiste à sua morte às mãos de três jovens cobertos de estranhas tatuagens.
Desde essa noite, o seu
destino une-se ao dos três Caçadores de Sombras e, sobretudo, ao de Jace, um
rapaz com cara de anjo mas com tendência a agir como um idiota...
Opinião:
Admito: esta não foi a primeira vez que peguei em A Cidade dos Ossos. Já antes, algures num passado não muito
distante, encetei uma tentativa de iniciar esta que é uma das mais badaladas
trilogias do universo fantástico teen,
mas, insatisfeita com o cuidado dado à tradução do original para a edição que
foi lançada em terras lusas, acabei por padecer de uma das mais comuns doenças
entre leitores insaciados—simplesmente coloquei o livro de lado. Agora, com a
constante e intrépida aproximação daquela que promete ser uma das grandes
apostas cinematográficas do ano, a adaptação desta obra em particular ao grande
ecrã, não houve como mais lhe escapar—encontrar o remédio, a cura para este mal
que me veio a consumir lentamente, transformou-se em algo mais do que
necessário, mais do que essencial, e com uma renovada perspectiva e disposição
literária, foi com sofreguidão que me atirei a este primeiro volume de uma
trilogia—e posterior série, se assim o pudermos definir—de potencialidade
gigantesca.
Dúvidas não me restam de que muitos de vós estejam já bastante
familiarizados com este mundo de sombras e escuridão, mas para uma estreante
como eu, que pouco ou nada sabe do passado, presente ou futuro deste leque de
personagens singular, tudo é novidade... e tudo é belo—seja no campo da luz, ou
no campo das trevas.
A Cidade dos Ossos, como título
introdutório, oferece, de imediato, uma possível antevisão dos acontecimentos
que se encontram guardados no interior das suas páginas. Julga-se, quiçá, que
uma cidade construída das ossadas de antepassados ancestrais seja o cenário de
eleição de Clare, mas mais do que o sangue que não estanca, da carne que rasga
e dos ossos que protegem um santuário silencioso, o simbolismo desta narrativa
prende-se nas modificações que um simples objecto, um mero instrumento mortal,
e um convicto ideal podem principiar naquela que deveria ser a raça a
defender—os mundies.
Cassandra Clare apresenta, então, este universo de seres místicos e seres
desprovidos de qualquer encanto ou poder, de forma absolutamente engenhosa,
divinal e, que nem uma mais valia, de forma criativa. Incansável nas
reviravoltas que proporciona a uma narrativa que se sabe defender por si, a
autora vai construindo o seu texto em torno de pequenas particularidades especiais
de significados astronómicos, pontuando, o mesmo, com uma escrita simples e
natural mas ainda que, ocasionalmente, ornamentada com diálogos e exímia
inteligência, ao mesmo tempo que, aos poucos e poucos, vai desvendando
pormenores do que se encontra por “detrás do véu”. E, raios, como Claire foi
habilidosa.
Muito mais do que uma obra de simetrias sobrenaturais,
esta é uma história que disserta abertamente sobre lutas—lutas de cariz pessoal
e lutas com vincos no passado—, e, se por um lado, temos as contínuas disputas
e os exaustivos acordos em prol de uma harmonia entre as espécies de um mundo à
parte, o mundo dos Shadowhunters, por
outro, temos os confrontos íntimos, por vezes emocionais, de uma personagem que
sempre julgou ter algo, ser alguém, que na realidade não é. E aí, o que fazer?
Para Clarissa Fray, a resposta reside na única pessoa que constantemente esteve
do seu lado, que sempre a acarinhou e protegeu, mas que, devido a guerras suas
desconhecidas e a segredos por revelar, desapareceu para o inexplicável.
Variado e altamente interessante, A Cidade dos Ossos abre as portes não somente para uma comunidade
de seres de artes extraordinárias como, e também, para um grupo de
intervenientes cativante e divinamente peculiar.
Clary Fray destaca-se pelo sentido humano, terreno,
inerente à educação com que foi criada, e pela curiosidade que naturalmente lhe
corre nas veias face um universo paranormal que deveria ser seu. Destemida,
astuta mas também atormentada por medos e dúvidas próprias dos acontecimentos
que as suas acções desencadeiam, esta é uma jovem que não olhará a meios para
alcançar o seu objectivo—salvar a sua mãe.
Jace Wayland valoriza-se pela personalidade espontânea,
por vezes a roçar a excentricidade, e humor very
british, very dark e sarcástico.
Confiante, imbatível e impulsivo, esta é uma figura que não tem qualquer receio
em enfrentar os mais poderosos e violentos demónios, movido pelo lema dos seus
antepassados shadowhunters e por um
presente em que nada tem a perder.
Simon Lewis sobressai pela sua incrível capacidade de
aceitação e adaptação face um mundo sombrio e inquietante que tudo tem para
parecer impossível, e pela lealdade com que sempre brindou Clary—uma amizade
que não se vê, nunca, a prescindir. Mas também o seu sentido de oportunidade e
a sua insistência em ser figura presente num círculo de artes mágicas o tornam
uma personagem de encanto incalculável.
Embora este seja o trio maravilha no seu exponente
máximo, muitos são os intervenientes secundários que surgem com o propósito de
enriquecer, sobremaneira, a narrativa. Alec e Isabelle Lighwood, irmãos de
sangue, combatem lado a lado com Jace e Clary—e, por vezes, com
Simon—mostrando-se inteiramente dispostos a correr riscos para proteger e
conseguir a salvaguarda da “pátria” que conhecem—Idris. Magnus Base, o High Warlock of Brooklyn, ou seja, um
feiticeiro de grande poder e magnetismo, é outra das personagens que, mesmo com
uma presença diminuta, deixa marcas no leitor. E, claro, não esquecer nomes
como Luke Garroway, Hodge Starkweather e Valentine Morgenstern que, com o que
têm de bom e de mau, entre a luz e as trevas, criam uma dualidade dúbia que
deixa o leitor em constante alerta.
Tratando-se de uma obra de pormenores, adorei pequenas
coisas, pequenos elementos, que, pessoalmente, fizeram toda a diferença num
género sobrelotado de conformidades, e que, ao longo da história, foram
deixando pequenas pistas para mistérios mais tarde desvendados. Objectos como o
anel dos Wayland que Jace mantém perto do coração, as stele que permitem as mais espectaculares maravilhas, a witchlight que oferece uma protecção
luminosa no escuro ou as pequenas armas mortíferas cujos significados aparentam
uma beleza superior à sua antecedente, mas também outros detalhes ostentam
entusiasmo e curiosidade, como o significado e poder das runas e o modo como
estas não só foram exploradas pela autora mas, e principalmente, pela forma
como podem ser utilizadas em objectos ou no corpo dos próprios shadowhunters, ou até mesmo Idris e as
suas glass towers com vista para a
cidade de Alicante, da qual quase nada conhecemos—ainda.
Penso que está a descoberto o quanto gostei deste
primeiro livro e do quanto o mundo dos shadowhunters
inevitavelmente me fascina. Imensos foram os momentos que me fizeram virar
página, atrás de página, atrás de página, em busca de algum do sossego e de
alguma da calma que me possibilitaria pausar a leitura—mas tal não sucedeu
muitas vezes, confesso—além de que o próprio world building da narrativa é suficiente para deixar qualquer
leitor estupefacto. Contudo, admito que estava à espera de um final mais
emocionante. O momento de grande clímax deste volume em particular poderia, a
meu ver, ter sido desenvolvido com um pouco mais de frenesim, de energia
electrizante, e embora não me tenha decepcionado completamente, não foi, de
todo, o que estava à espera tendo em conta o restante da história. Como nota
positiva, referente à etapa conclusiva de A
Cidade dos Ossos, fica a anotação para um desfecho que, mesmo impulsionando
o leitor a prosseguir viagem com A Cidade
das Cinzas, ainda assim não deixa um cliffhanger
de proporções épicas, ou seja, um momento de suspense entre livros, por demais.
Esta é uma aposta da Planeta Editora, numa autora
que continuarei a seguir com afinco e sob a qual me espero debruçar novamente, em breve. Perfeito para leitores de
trilogias/sagas como Anjo Caído ou Predestinados, numa vertente fantástico
verdadeiramente impressionante. Recomendo.
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