segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A Cidade dos Ossos, Cassandra Clare [Opinião]





Título Original: City of Bones
Autoria: Cassandra Clare
Editora: Planeta Manuscrito
Nº. Páginas: 415
Tradução: José Luís Luna


Sinopse:

No Pandemonium, a discoteca da moda de Nova Iorque, Clary segue um rapaz muito giro de cabelo azul até que assiste à sua morte às mãos de três jovens cobertos de estranhas tatuagens.
Desde essa noite, o seu destino une-se ao dos três Caçadores de Sombras e, sobretudo, ao de Jace, um rapaz com cara de anjo mas com tendência a agir como um idiota...


Opinião:

Admito: esta não foi a primeira vez que peguei em A Cidade dos Ossos. Já antes, algures num passado não muito distante, encetei uma tentativa de iniciar esta que é uma das mais badaladas trilogias do universo fantástico teen, mas, insatisfeita com o cuidado dado à tradução do original para a edição que foi lançada em terras lusas, acabei por padecer de uma das mais comuns doenças entre leitores insaciados—simplesmente coloquei o livro de lado. Agora, com a constante e intrépida aproximação daquela que promete ser uma das grandes apostas cinematográficas do ano, a adaptação desta obra em particular ao grande ecrã, não houve como mais lhe escapar—encontrar o remédio, a cura para este mal que me veio a consumir lentamente, transformou-se em algo mais do que necessário, mais do que essencial, e com uma renovada perspectiva e disposição literária, foi com sofreguidão que me atirei a este primeiro volume de uma trilogia—e posterior série, se assim o pudermos definir—de potencialidade gigantesca.

Dúvidas não me restam de que muitos de vós estejam já bastante familiarizados com este mundo de sombras e escuridão, mas para uma estreante como eu, que pouco ou nada sabe do passado, presente ou futuro deste leque de personagens singular, tudo é novidade... e tudo é belo—seja no campo da luz, ou no campo das trevas.
A Cidade dos Ossos, como título introdutório, oferece, de imediato, uma possível antevisão dos acontecimentos que se encontram guardados no interior das suas páginas. Julga-se, quiçá, que uma cidade construída das ossadas de antepassados ancestrais seja o cenário de eleição de Clare, mas mais do que o sangue que não estanca, da carne que rasga e dos ossos que protegem um santuário silencioso, o simbolismo desta narrativa prende-se nas modificações que um simples objecto, um mero instrumento mortal, e um convicto ideal podem principiar naquela que deveria ser a raça a defender—os mundies.
Cassandra Clare apresenta, então, este universo de seres místicos e seres desprovidos de qualquer encanto ou poder, de forma absolutamente engenhosa, divinal e, que nem uma mais valia, de forma criativa. Incansável nas reviravoltas que proporciona a uma narrativa que se sabe defender por si, a autora vai construindo o seu texto em torno de pequenas particularidades especiais de significados astronómicos, pontuando, o mesmo, com uma escrita simples e natural mas ainda que, ocasionalmente, ornamentada com diálogos e exímia inteligência, ao mesmo tempo que, aos poucos e poucos, vai desvendando pormenores do que se encontra por “detrás do véu”. E, raios, como Claire foi habilidosa.

Muito mais do que uma obra de simetrias sobrenaturais, esta é uma história que disserta abertamente sobre lutas—lutas de cariz pessoal e lutas com vincos no passado—, e, se por um lado, temos as contínuas disputas e os exaustivos acordos em prol de uma harmonia entre as espécies de um mundo à parte, o mundo dos Shadowhunters, por outro, temos os confrontos íntimos, por vezes emocionais, de uma personagem que sempre julgou ter algo, ser alguém, que na realidade não é. E aí, o que fazer? Para Clarissa Fray, a resposta reside na única pessoa que constantemente esteve do seu lado, que sempre a acarinhou e protegeu, mas que, devido a guerras suas desconhecidas e a segredos por revelar, desapareceu para o inexplicável.

Variado e altamente interessante, A Cidade dos Ossos abre as portes não somente para uma comunidade de seres de artes extraordinárias como, e também, para um grupo de intervenientes cativante e divinamente peculiar.
Clary Fray destaca-se pelo sentido humano, terreno, inerente à educação com que foi criada, e pela curiosidade que naturalmente lhe corre nas veias face um universo paranormal que deveria ser seu. Destemida, astuta mas também atormentada por medos e dúvidas próprias dos acontecimentos que as suas acções desencadeiam, esta é uma jovem que não olhará a meios para alcançar o seu objectivo—salvar a sua mãe.
Jace Wayland valoriza-se pela personalidade espontânea, por vezes a roçar a excentricidade, e humor very british, very dark e sarcástico. Confiante, imbatível e impulsivo, esta é uma figura que não tem qualquer receio em enfrentar os mais poderosos e violentos demónios, movido pelo lema dos seus antepassados shadowhunters e por um presente em que nada tem a perder.
Simon Lewis sobressai pela sua incrível capacidade de aceitação e adaptação face um mundo sombrio e inquietante que tudo tem para parecer impossível, e pela lealdade com que sempre brindou Clary—uma amizade que não se vê, nunca, a prescindir. Mas também o seu sentido de oportunidade e a sua insistência em ser figura presente num círculo de artes mágicas o tornam uma personagem de encanto incalculável.

Embora este seja o trio maravilha no seu exponente máximo, muitos são os intervenientes secundários que surgem com o propósito de enriquecer, sobremaneira, a narrativa. Alec e Isabelle Lighwood, irmãos de sangue, combatem lado a lado com Jace e Clary—e, por vezes, com Simon—mostrando-se inteiramente dispostos a correr riscos para proteger e conseguir a salvaguarda da “pátria” que conhecem—Idris. Magnus Base, o High Warlock of Brooklyn, ou seja, um feiticeiro de grande poder e magnetismo, é outra das personagens que, mesmo com uma presença diminuta, deixa marcas no leitor. E, claro, não esquecer nomes como Luke Garroway, Hodge Starkweather e Valentine Morgenstern que, com o que têm de bom e de mau, entre a luz e as trevas, criam uma dualidade dúbia que deixa o leitor em constante alerta.

Tratando-se de uma obra de pormenores, adorei pequenas coisas, pequenos elementos, que, pessoalmente, fizeram toda a diferença num género sobrelotado de conformidades, e que, ao longo da história, foram deixando pequenas pistas para mistérios mais tarde desvendados. Objectos como o anel dos Wayland que Jace mantém perto do coração, as stele que permitem as mais espectaculares maravilhas, a witchlight que oferece uma protecção luminosa no escuro ou as pequenas armas mortíferas cujos significados aparentam uma beleza superior à sua antecedente, mas também outros detalhes ostentam entusiasmo e curiosidade, como o significado e poder das runas e o modo como estas não só foram exploradas pela autora mas, e principalmente, pela forma como podem ser utilizadas em objectos ou no corpo dos próprios shadowhunters, ou até mesmo Idris e as suas glass towers com vista para a cidade de Alicante, da qual quase nada conhecemos—ainda.

Penso que está a descoberto o quanto gostei deste primeiro livro e do quanto o mundo dos shadowhunters inevitavelmente me fascina. Imensos foram os momentos que me fizeram virar página, atrás de página, atrás de página, em busca de algum do sossego e de alguma da calma que me possibilitaria pausar a leitura—mas tal não sucedeu muitas vezes, confesso—além de que o próprio world building da narrativa é suficiente para deixar qualquer leitor estupefacto. Contudo, admito que estava à espera de um final mais emocionante. O momento de grande clímax deste volume em particular poderia, a meu ver, ter sido desenvolvido com um pouco mais de frenesim, de energia electrizante, e embora não me tenha decepcionado completamente, não foi, de todo, o que estava à espera tendo em conta o restante da história. Como nota positiva, referente à etapa conclusiva de A Cidade dos Ossos, fica a anotação para um desfecho que, mesmo impulsionando o leitor a prosseguir viagem com A Cidade das Cinzas, ainda assim não deixa um cliffhanger de proporções épicas, ou seja, um momento de suspense entre livros, por demais.

Esta é uma aposta da Planeta Editora, numa autora que continuarei a seguir com afinco e sob a qual me espero debruçar novamente, em breve. Perfeito para leitores de trilogias/sagas como Anjo Caído ou Predestinados, numa vertente fantástico verdadeiramente impressionante. Recomendo.

Sem comentários:

2009 Pedacinho Literário. All Rights Reserved.